Introdução a Narrativa
"O escritor profissional é um amador que não desistiu."
Nenhum de nós nasceu sabendo. O processo de aprendizagem é longo, podendo durar a vida inteira. Uns têm mais facilidade em aprender, outros têm menos, mas o importante é seguir tentando. Em busca de ampliar o conhecimento dos jogadores, melhorar a escrita e também desenvolver o conhecimento no grupo de atuação, a administração do RPG resolveu criar essa pequena apostila com dicas e lições que todos deveriam seguir para atingir uma escrita coesa.
Obs: A obra à seguir não são autorais dos administradores. O texto possui apenas leves alterações para ficar coerente com a premissa do RPG
1) Frases com pontuação inadequada
O sentimento transmitido por uma história depende também do ritmo de leitura, não só do que é contado nela. Observe os dois exemplos a seguir.
A: “Abriu a porta. Pendurou o guarda-chuva. Tirou os sapatos encharcados e largou o corpo no sofá. Pensou na louça por lavar. Ignorou-a. Acabou dormindo enquanto escutava o temporal cair.”
B: “Abriu a porta, pendurou o guarda-chuva, tirou os sapatos encharcados e largou o corpo no sofá. Pensou na louça por lavar, ignorou-a; acabou dormindo enquanto escutava o temporal cair.”
Qual dos dois trechos deu a impressão de ser mais lento? Certamente, o A. Note que a única coisa alterada foi a pontuação; as palavras são as mesmas, sem tirar nem por. O uso das vírgulas deixa as ações do trecho B mais contínuas. Eu, como leitora, interpretaria o seguinte: no trecho A, a personagem está sentindo frio, dor, talvez uma tristeza muito impactante, e uma dessas três coisas (ou duas, ou as três) a faz ser mais lenta ao agir. Na versão B, ela também está incomodada com a chuva, mas pela maior rapidez da narração, ela ainda tem forças para agir sem muito impedimento, está com pressa ou raiva. A lição que fica? Cuidado com suas vírgulas e pontos, porque o sentido de uma frase pode se tornar outro com eles.
2) Usar internetês
sab cm eh rsrsrs n fik lgl se vc abrevia mt as coisas na hr d screver
Doeram seus olhos? Se não, deveria. Ao escrever uma cena, seja num diálogo ou na descrição, mantenha distância. As abreviações servem para conversas informais e tão rápidas quanto possíveis. Você não quer dar impressão de que escreveu tudo com pressa, certo?
As únicas exceções para o internetês é quando as personagens da história estão conversando por mensagens no celular ou em algum chat da internet. Você, escrito, deve passar longe do internetês.
3) Repetir palavras em excesso
Estou em casa. Fazia tanto tempo que não vinha para casa... Que saudades eu estava! É tão bom estar em casa outra vez. Tudo na casa está exatamente do jeito que eu deixei, mesmo que a casa toda esteja empoeirada. Ainda é a casa de antigamente.
Existem dois jeitos de usar a repetição. Um deles é feito por autores mais experientes, usado pra enfatizar alguma coisa. Mais do que isso: é proposital, não por acidente. O outro jeito deixa o texto chato e até irritante. Qual dos dois acontece com mais frequência? Uma chance para adivinhar.
Se eu, como leitora beta, fosse corrigir o trecho acima, ele ficaria mais ou menos assim:
Estou em casa. Fazia tanto tempo que não vinha para cá... Que saudades eu estava! É tão bom estar aqui outra vez. Tudo está exatamente do jeito que eu deixei, mesmo que todos os cômodos estejam empoeirados. Ainda é a casa de antigamente.
O problema real não é repetir, é fazer isso em um intervalo muito curto entre uma palavra igual e outra. Uma maneira de amenizar as repetições é o uso de sinônimos.
4) Descrever personagens pela cor de cabelo e cor de pele o tempo todo
ATENÇÃO: Exemplo adaptado a partir de uma fanfic real. O trecho não foi utilizado de maneira depreciativa ou ofensiva ao autor, e sim para complementar o post. O nome do autor e da história não serão publicados por mim e nem devem ser divulgados nos comentários, caso o leitor do post conheça a fanfic em questão.
O moreno olha com uma cara satisfeita para o ruivo e diz:—Eu já te diverti, agora me faça feliz.O ruivo olha para o moreno e diz:—Então, a partir de agora, você vai fazer o que eu mandar.
Por mais que, dependendo da situação fique claro de que personagens você está falando, fazer isso toda hora é péssimo. A imagem mental da cena é um monte de perucas interagindo.
5) Nível de descrição: zero
Fulano, Ciclano e Beltrano vivem num mundo mágico. Os garotos passam o dia todo em aventuras pela floresta e treinando para serem grandes cavaleiros.
Uma coisa que pode soar óbvia, mas na qual muitos escritores pecam, é achar que o leitor é vidente. Que se você apresentar uma personagem só pelo nome, é possível imaginar como ela é fisicamente. Que se você passar muito por cima na descrição é fácil visualizar a história. Não, não é.
Eu acredito que o quanto você descreve depende da história em questão e do seu estilo de escrita. Em um turno que envolva representações e uso de imagens, não é tão necessário assim falar “Beltrano era loiro de olhos azuis” e coisas do tipo. Já que os leitores podem visualizar tranquilamente os traços e como o personagem está se portando na situação apresentada.
6) Overdose de adjetivos
Lá estava ele. Alto, loiro, malhado, de ombros largos, postura confiante, o olhar sedutor que encantava todas as garotas, o sorriso atrevido, o andar despreocupado, vestindo seu casaco esportivo, a mochila dependurada em um ombro só, os tênis gastos pelo skate, as calças rasgadas, os amigos ao lado, todos muito menos bonitos que ele. Talvez se eu os visse sozinhos, até os achasse charmosos, mas quase se apagavam diante daquele garoto perfeito.
Esse erro aqui é o completo oposto da descrição zero, e nenhum dos dois extremos é bom para a sua história. O anterior não deixa o leitor imaginar, a overdose é enjoativa e entediante. Mesmo autores profissionais caem neste problema, como E. L. James, de Cinquenta Tons de Cinza, ou Stephenie Meyer. No caso dos livros citados, isso acontece para dar enfoque total ao par romântico da protagonista, o que não deixa de ser uma falha. Caso você queira mesmo detalhar uma descrição, faça isso aos poucos, um “lote” de adjetivos de cada vez.
7) Colocar emoticons no texto
“oi linda n___n” “oiiiiiiiiii *-*” “como você tá? *O*” “to bem e você? s2 s2 s2”
Reserve os emoticons para o grupo de conversação e qualquer outro canto. Eu mesma os uso com meus amigos. Não quer dizer que possam aparecer por todo canto da sua narração, descrição, diálogos...
Assim como o internetês, existe uma exceção para cenas onde as personagens estejam em um chat ou trocando mensagens pelo celular, mas é só. De resto, fuja. Para bem longe.
8) Parágrafos “têm de tudo” e com tamanhos bizarros
Não vou dar exemplo dessa vez, seria muita fadiga e eu quero evitar a fadiga. Um parágrafo do tipo “tem de tudo” junta um monte de assuntos sem dar um mísero “enter”, aí começa falando das meias que a personagem vestiu e termina com uma reflexão dela sobre o futuro do planeta e o aquecimento global. Isso pode acabar dando a ele um tamanho absurdo, de umas dez linhas ou até mais, ou só ficar tudo confuso mesmo. Em caso de não saber onde começar e acabar cada assunto, peça uma mãozinha ao colegas, pode utilizar até os demais turnos no grupo de atuação para ter uma base de quando fazer as separações
9) Usar links e imagens por preguiça de descrever
Acordei e me olhei no espelho. (foto) Abri o armário (gif), fiquei indecisa entre a camiseta (gif) e o casaco (foto), mas acabei escolhendo o vestido (video). Depois, calcei os sapatos (gif) e fiz a maquiagem (colagem).
Você gosta de moda? Legal. Sua personagem tem bom gosto para roupas? Incrível. Sua cena está lotada de imagens e mídias gerais ? Opa, espera aí.
Este erro irrita o leitor (além de inundar o grupo de atuação) e encurta demais a descrição. Um texto escrito, como um livro ou uma fanfic, depende da imaginação do leitor e, para deixar claro no que você, autor, está pensando, é necessário descrever. A quantidade de detalhes e a maneira como eles são expostos varia de acordo com a narração e o assunto na hora, mas esse é tema para outro post. Saiba você ou não como descrever, vá se desapegando das mídias. Mesmo que os use vez ou outra, eu recomendo um máximo de dois por capítulo. É, acabou a folga. Escritores, ao trabalho!
10) Alternar primeira com terceira pessoa
Meu nome é Fulana, estou caminhando para a escola. De repente, Fulana viu sua amiga saindo pelo portão, e a aula nem mesmo tinha começado.
Não tem “mas”. Está errado. Fica confuso, tira a característica pessoal ou impessoal da história, mistura os tempos verbais, enfim, uma bagunça total. Quer mesmo, mesmo, mesmo fazer isso? Então primeira pessoa em um capítulo, terceira em outro. Não recomendo de qualquer modo.
Vamos ressaltar que o que você escolher será o que você usará o tempo inteiro na história. Não fique trocando as pessoas do discurso só porque, usando o que você escolheu, não dá para colocar uma cena ou outra. O desafio é encaixar as cenas no enredo dentro da narração escolhida. Ficar trocando a pessoa que narra apenas deixará os leitores confusos, fora que os mais experientes ou irão comentar que é incômodo ou deixarão de ler, e ninguém quer perder leitores por causa de um detalhe tão pequeno, não?
Agora vamos tentar demonstrar mais algumas diferenças entre uma narração e a outra em algumas situações:
Saber o que acontece em outros lugares:
Se narramos em primeira pessoa, não tem como nós sabermos o que o nosso namorado, por exemplo, está fazendo em sua casa quando estamos na nossa. Nosso personagem também não sabe. Não tem como saber o que acontece no Norte estando no Sul, só se alguém contar ao personagem ou ele descobrir de algum modo, mas devemos nos lembrar de que: se a narração está na 1ª pessoa, e é o personagem quem narra, então o narrador não sabe tudo o que acontece.
Já na 3ª pessoa, não, além de o narrador saber tudo o que acontece, ainda pode revelar o que acontece em outros lugares sem que seja necessária a presença do personagem principal.
Comentar o que acontece em outros lugares:
Em primeira pessoa, se o personagem está em sua casa, narrando o que está assistindo na televisão, como é que ele sabe o que acontece no colégio onde estuda naquele exato momento em que ele está em casa? Simples, o personagem não sabe. Saberá quando alguém lhe contar, claro, mas, a menos que ele tenha poderes psíquicos que o fazem saber tudo o que acontece no mundo enquanto está no Havaí, ele não sabe, e ficará sem saber.
Para que ele possa comentar sobre outros lugares, a solução é fazer com que ele descubra de algum modo, e como ele descobrirá é o desafio de se escrever em 1ª pessoa.
Saber o que o outro personagem pensa:
Assim como não somos capazes de saber o que as outras pessoas pensam, nosso personagem também não (só se ele tiver poderes como os X-men, se não, é melhor desistirmos da ideia). Vamos nos lembrar de que o limite para a narração em primeira pessoa é narrar baseado no personagem, no que ele sente, pensa, sabe.
Fazer suposições é diferente de saber o que a pessoa pensa: "Eu acho que ela está falando mal de mim." "Conhecendo-a como a conheço, sei que ela está falando de mim." "Ela definitivamente está falando de mim." O último exemplo passa uma sensação de que o personagem não pode afirmar com toda a certeza que é dela que estão falando, e é essa certeza que a narração em 3ª pessoa tem, mas a narração em 1ª pessoa, não.
11) Godmodding
Godmodding em poucas palavras é assumir o controle do personagem de outro jogador durante os turnos. É desaprovado e com uma boa razão: você só controla seu personagem e ninguém mais. A melhor maneira de explicar isso é pelo exemplo. Digamos que estou jogando como Pikachu e meu amigo está jogando como Charmander.
Essa é a cena do meu amigo:
Charmander inalou profundamente, invocando o máximo de poder que podia suportar. Em seguida, seu olhar selvagem focado em seu atacante e suas mandíbulas abertas. Chamas laranjas brilhantes estouraram como um aviso e defesa.
Essa é a minha:
Pikachu saltou para fora do caminho do ataque de Charmander e correu atrás dele. "Pikaaa!", Ele gritou; um relâmpago tiro em direção às costas de Charmander e bateu-o para a frente, contorcendo-se e atordoado. Ele não conseguia se levantar.
Como saberei se Charmander poderia ou não se levantar, ou se ele caiu? Não é minha responsabilidade controlar Charmander. Geralmente é justo permitir que seu personagem se esquive de ataques com sucessos durantes combate. Isso o torna justo e um pouco mais realista, mas controlar o personagem alheio é inconveniente e chato. Tenha em mente que pelo amor de Deus, isso não se aplica apenas ao combate: ele se aplica também às interações cotidianas. Tenha cuidado ao escrever seus turnos. Certifique-se de mantê-lo divertido e justo.
Link das publicações originais;
https://ligadosbetas.blogspot.com/2013/08/oito-erros-tecnicos-mais-comuns-em-fics.html
https://ligadosbetas.blogspot.com/2013/04/os-18-erros-mais-comuns-em-fanfics.html
https://ligadosbetas.blogspot.com/2013/03/modos-de-narrar-1-pessoa-ou-3-pessoa.html
https://rulesofroleplay.tumblr.com/post/35521325648/what-is-godmodding
